janeiro 17, 2008

Revelação

O fim do ano é uma época de balanço e introspecção, a qual contempla, para além da ingestão de tinto e afins em doses cavalares, a reflexão sobre determinados aspectos da vida e consequente (re)definição de objectivos. No meu caso as coisas estão a correr particularmente bem e já concretizei alguns items da minha lista de coisas-para-fazer-nos-próximos-meses, que incluía, por exemplo, comer tofu sem me dar uma dor aguda no escroto, experimentar cuecas de mulher e ler a Bíblia.
Dado o relativo pouco interesse da primeira tarefa e a falta de espaço para descrever detalhadamente os pormenores vívidos da segunda, optei por partilhar o momento em que abri o meu espírito (e não só, dado que tinha comido feijão nessa noite ao jantar) para as histórias e ensinamentos do livro mais lido do mundo, logo a seguir ao da Carolina Salgado.
Face à quantidade alarve de folhas do Sagrado Testamento, optei por uma solução mais artística e resolvi dar corda aos pés até ao Teatro-Estúdio Mário Viegas, onde está em cena a peça “Toda a palavra de Deus sintetizada”. E o que vi, meus senhores, chegou perfeitamente: Adão e Eva nus no paraíso (os actores eram três homens mas enfim), a Arca de Noé, Abel e Caim, um Anjo da Guarda musicado pelo António Variações (e eu que pensava que os anjos não tinham sexo…) e até a lenda da torre de Babel contada em chinês! Nessa noite ouvi a Voz de Deus, clara e profunda, a ressoar como um trovão pelas colunas da sala (imagino o cachet que Lhe devem ter pago só para dizer três ou quatro frases) e por momentos senti a minha costelinha cristã crescer, crescer, crescer até já ser quase um entrecosto e estar prestes a esmagar as minhas costelas hereges.
Por (in)felicidade, no momento em que o entrecosto se preparava para atear a fogueira da fé, a gaja-mais-irritante-do-mundo, sentada cirurgicamente dois lugares à minha esquerda, resolveu revelar-se e começar a fazer aquilo que eu descobri serem os ruídos-mais-irritantes-do-mundo - bater contínua e desordenadamente com o salto de botas-em-bico no chão de madeira do Teatro - com tal intensidade e frequência que o próprio Jesus Cristo se teria despregado da cruz só para lhe pregar dois pares de estalos.
Escusado será dizer que a fogueira da fé não chegou a fazer chama e que jurei naquele preciso momento recusar-me a adorar um Deus que não fulmine imediatamente gajas-que-façam-ruídos-irritantes.
Ou que usem-botas-em-bico.
Ou que não-façam-o-buço.
Ainda bem que fui com convites e não tive de pagar por esta Revelação.

fevereiro 05, 2006

Vai-Vém

Cada vez ando mais preocupado com o aumento vertiginoso do número de portugueses que sofrem de perturbações mentais complexas. A quantidade crescente de sócios benfiquistas é disso um excelente exemplo, bem como o facto de várias pessoas terem 3 ou 4 telemóveis, um para cada rede.
Mas, na verdade, o que me tem causado mais angústia é verificar, dia após dia, semana após semana, Morangos com Açucar após Morangos com Açucar, que cada vez existem mais condutores-autistas. Com certeza todos vocês conhecem ou já viram, pelo menos uma vez, um daqueles condutores que estacionam o carro com uma primeira manobra perfeita para depois, sem qualquer razão aparente, iniciarem uma longa sequência de vai-à-frente-vai-atrás-ajeita-aqui-destorce-ali, acabando finalmente por deixarem o carro exactamente na mesma posição em que tinha ficado aquando da manobra inicial.
Ora bem, a repetição de movimentos estereotipados, mecânicos e potencialmente bizarros é um dos sintomas mais visíveis e comuns do autismo, tal como uma acentuada dificuldade em estabelecer relações sociais e afectivas. E o facto é que, quando embrenhadas nos seus vai-véns obsessivos, estas pessoas deixam de pertencer ao "nosso" mundo e não reagem nem a palavras como "Pára lá com esta merda!", "O carro está bom, car*lho!" ou "Estás-me a dar gases." Rígidos e inflexíveis, os condutores-autistas tornam-se muitas vezes agressivos e deixam de dar boleia a quem os confronta com esta situação. Por isso, deixo desde já um aviso: quando virem alguém preso entre a 1ª e a marcha-atrás, não tentem tocar-lhe ou chamá-lo à razão - o melhor é ligarem para o Júlio de Matos ou, se situação vos estiver a chatear, aviar-lhe com um ferro comprido
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Pais e Tomates

Local: Uma cozinha, algures na Baixa da Banheira, numa solarenga tarde de Sábado;
Hora: Entre o meio-dia e a uma da tarde;
Situação: O Filho chega ao Local, a determinada Hora, depois de uma longa travessia pelo hall e ávido por uma refeição decente. Aproxima-se da mesa e depara-se com uma travessa de feijão frade, postas de peixe-espada branco fritas e empilhadas num prato revestido a papel de cozinha, e grandes tomates vermelhos e maduros, tipicamente portugueses de tão grandes. Abeirando-se da mesa, o Filho deixa-se inebriar pelos odores típicos daquele repasto saloio ao mesmo tempo que, feliz, pega numa faca e num tomate e questiona o indivíduo conhecido por Pai "Estão lavados, os tomates?", ouvindo em resposta "Tu é que sabes se tomaste banho ou não...". O Filho faz uma pausa de 5 segundos, enquanto o seu cérebro meio adormecido processa aquela resposta bizarra, soltando de seguida uma grande e sonora gargalhada.
Moral da história: Não se deve questionar o Pai sobre os próprios tomates.

fevereiro 01, 2006

Ah pois é, Kohlberg!... (clicka-me se tiveres moral para isso!)

Lembro-me, quando andava na Faculdade (agora também ando, mas isso é outra história...), do paradoxo que eram as aulas de Psicologia do Desenvolvimento. Se é um facto que a matéria era realmente interessante, não é menos verdade que o Professor conseguia personalizar - já na altura!, - um cruzamento perfeito entre o Emplastro, o Jorge Sampaio quando discursa e D. Duarte Pio de Bragança. Ou seja, um personagem catita, mas secante.
E foi este personagem que, entre bocejos e desenhos fálicos nas mesas, me introduziu (eh lá!) no fantástico mundo do Desenvolvimento Moral.

"Mas as pessoas não nascem todas já a amar o próximo e a fazer o bem, mesmo que tenham que se sacrificar?", perguntam vocês. Não, só os totós é que fazem isso.
Existiu um fulano chamado Kohlberg que propôs uma sequência de desenvolvimento moral, universal e constituída por 6 estádios. Por exemplo, toda a gente sabe que, antes de partilharmos o nosso carrinho ou boneca de brincar com um(a) amigo(a) ou irmão(ã), vamos espancá-lo(a) violentamente cada vez que ele(a) se aproximar do NOSSO brinquedo. Mais tarde, começamos a fazer coisas para agradar aos outros, mas muitas das vezes (ou sempre, pronto) com ela fisgada, como abrir a porta às raparigas e deixá-las passar, com o nobre intuito de apreciar a beleza e perfeição das formas femininas e, quem sabe, acrescentar mais um número ao telemóvel.
E por aí acima, até nos conformarmos com as normas sociais, aprendermos a respeitar a lei e nos preocuparmos genuinamente com os outros, vivendo de acordo com princípios éticos lindos e universais. O problema é que, num mundo tão grande, milhões de pessoas, e às vezes famílias e países inteiros, encalham num dos níveis mais baixos (o Alberto João Jardim é um bom exemplo) e lá se vão a paz e o amor.
Por outro lado, para se subir na "escada", é indispensável haver interacção social, como nas conversas de café ou nas lutas de gangs, pois é aí que surgem dilemas morais que nos sussurram ao ouvido "Pá, olha que o nível 1 já não é para ti, vê lá se passas para o nível 2 antes que o Mário Soares se candidate outra vez a Presidente da República!".
Ora, todos nós já nos deparámos várias vezes com dilemas morais. Aliás, o dia-a-dia é um grande dilema moral divido em pequenas peças de puzzle que constituem vários dilemazinhos lixados e irritantes: Como um bife frito com batatas fritas e 10.000.000.000 de calorias, ou um peixe grelhado?; Estudo e aproveito as propinas de 600 euros que já paguei, vendendo o corpo no P. Eduardo Sétimo, ou vou sair e embebedo-me brutalmente, matando de uma só vez 1/4 das minhas células cinzentas?; Acelero e mato a velha na passadeira, ou travo e perco o barco?
Certamente nem sempre fazemos a melhor opção - eu, por exemplo, como muitos bifes e não tenho estudado muito (apesar de hoje ter comido peixe ao almoço e ao jantar). Vamos ver a seguinte situação:
- Imaginem que são o Tozé (vá, façam lá um esforço, as meninas também), um rapaz pouco abonado em termos físicos e intelectuais que, no auge dos seus 31 anos, nunca conseguiu ter qualquer tipo de contacto íntimo com uma mulher. Nem a mãe lhe dá beijos de boa noite;
- Certa noite, o Tozé, num acto de heroísmo e empurrado pela força de 4 Sagres Bohemia, salva a Isabel, uma gaja muita boa, de ser assaltada por um perigoso rufia de 11 anos;
- A Isabel, no nível 4 ou 5 de Kohlberg, está disposta a agradecer ao Tozé a sua coragem, propondo-lhe prazer físico intenso. O problema é que, como é casada, limita esta recompensa a sexo oral, com a condição do Tozé não lhe poder tocar;
- O Tozé nem quer acreditar no que lhe está a acontecer, e só consegue balbuciar "dahh.. uuhhg..." enquanto desaperta freneticamente as calças;
- Eis quando a Isabel lhe chama a atenção para o facto de ter herpes labial em estado avançadíssimo, com pus a escorrer da beiça, e lhe explica que o mais certo é pegar-lhe herpes genital, com direito a borbulhas, pus, crostas e uma comichão do caraças no dito cujo para o resto da vida dele.

O que deve fazer o Tozé?

1. Aceitar humildemente a oferta da Isabel e sujeitar-se a ficar infectado com herpes, ao mesmo tempo que tem, talvez, a única aventura sexual da sua vida, ou;
2. Recusar a oferta da Isabel, ferindo cobardemente os seus sentimentos mas assegurando que, apesar de virgem, vai conseguir mijar sem dores durante mais umas décadas.

Pois é meus amigos, é através de decisões deste género que todos nós vamos crescendo e subindo degraus no caracol moral. Porque há um Tozé em cada um de nós....

dezembro 11, 2005

Tou xim?

Como todos sabem, eu sou um tipo muito ocupado e solicitado, pelo que o meu número de telefone circula pelo povo português como o boneco do Noddy circula entre a criançada. Por isso não estranhei quando na semana passada, em pleno lufa-lufa laboral, recebi uma chamada de um número desconhecido no meu telemóvel. Apesar de ter entre mãos o destino do Concelho de Oeiras, não quis deixar desamparada a criatura que me estava a ligar (afinal os grandes Homens medem-se pela quantidade de migalhas dadas à plebe) e atendi.

"- Estou sim?"
"- Estouoa?"
"- Sim, em que posso ajudá-lo?"
"- Fala da vacaria de rand?"
(Pausa. Convulsões internas que desembocam num largo sorriso)
"- Não, caro amigo, deve ser engano."
"- Ai num é? Oh amigo, desculpe lá o mau jeito. Desculpe lá!"

E assim fiquei bem disposto durante todo o dia. Ao senhor incógnito, o meu bem-haja.

Upa cavalinho

Na noite passada (desculpa lá, ó Sergio) estava num bar a experimentar as promoções do dia (shot + imperial por 1,5 euros) e a conversar com um amigo quando reparei no programa que estava a passar na televisão. Era uma reflexão sobre a eterna simbiose do Homem com a Natureza vista sob a perspectiva portuguesa, ou seja, era uma tourada em diferido. Digo-vos já que achei muito mal o coitado do touro andar ali a ser espetado com uns paus no lombo, às tantas mais parecia uma almofada de alfinetes. Se eu fosse touro não ia gostar que me espetassem paus assim, pelas costas, sem pedirem licença nem nada.
Mas o pior é que depois de alfinetarem o touro todo, o cavaleiro ainda começou a gozar com o animal e pôs o cavalo a fazer uns truques catitas, tipo trotes, danças e pinotes e mais umas palhaçadas para inglês ver. Ora, não me venham cá a dizer que o cavalito aprendeu a fazer aquilo tudo à pala de torrões de açucar e tal, porque senão qualquer Pinilla marcava golos atrás de golos - era só ter uns torrões de açucar à mão e pronto.
Ná, o que se passa ali é que o cavalo tem uma série de eléctrodos enfiados debaixo do couro que são accionados pelo cavaleiro através de um comando bluetooth. Então, vamos dar um pinote, zumba!, eléctrodo 2 nas coxas; agora a trote, pás!, electrodos 5a, 5b, 5c e 5d alternados, um em cada perna; e por ai adiante. Agora, quando virem na televisão um cavalo a ajoelhar-se, já sabem, não é inteligência ou treino, é mesmo uma descarga certeira na mioleira (aposto que vocês também se ajoelhavam).
O mais caricato é que só me apercebi deste esquema todo depois de duas promoções do dia - e ainda dizem que o álcool degrada o cérebro.

novembro 17, 2005

Na cabana junto à praia

Ano Novo, Cefaleia Velha, que é como quem diz, mais uns dias de vida perdidos à procura do sítio, Aquele Sítio, o oásis no deserto que vai tornar a noite de fim-de-ano de 2005 a melhor de todas as que já aconteceram e hão-de acontecer. O que, desde logo, me coloca um grande problema: o facto é que, nos últimos 26 anos, já vivi várias vezes a-melhor-passagem-de-ano-de-sempre, logo, bem posso ir bater tachos e panelas para a Praça do Comércio pois dificilmente vou conseguir atingir novamente o Orgasmo Festivo.
Mas como acredito em orgasmos múltiplos (?), para além de ser parolo e ter algum tempo livre, vou iniciar mais uma vez uma Cruzada pela Terra Prometida, ou seja, vou pôr todos os meus amigos, conhecidos, colegas, vendedores da revista Cais e comentadores dos meus blogs a telefonar para as agências de viagens, desde o Cabo de Sagres até Valença do Minho, na vã ilusão de encontrar o sítio perfeito. Este ano, por acaso, até estou com expectativas elevadas, já que vou contar com uma equipa de estudos de mercado em full-time - as pessoas que comentam as coisas que escrevo não têm, DE CERTEZA, mais nada para fazer, e assim sempre podem dizer aos amigos, aos pais e aos avós que estão a fazer uma pesquisa para um trabalho muito importante!...
Os critérios de pesquisa da casa perfeita são:

- tem de ficar perto da praia (de preferência dentro dela);
- tem de ser suficientemente grande para caberem lá dentro 30 pessoas, ou seja, tem de ter 3 quartos e uma sala;
- tem de ter pelo menos 2 casas de banho: uma com banheira, que será utilizada para cagar e mijar, e outra só para o gregório (esta pode ter poliban);
- tem de ficar próxima de outras casas, para podermos vandalizar quando estivermos todos bebêdos;
- tem de ter piscina (mas vazia, não vá alguém morrer afogado);
- tem de ser em Portugal, porque as discotecas e os bares fecham mais tarde;
- e, last but not the least, tem de ter um Lidl ou Dia a menos de 500 metros.

Tendo em conta que o preço não é problema, mas nunca poderá ser superior a 25 euros/noite/pessoa, tenho a certeza de que vou encontrar, cá em baixo, muitas alternativas ao Céu. Em último caso, posso sempre pegar na minha namorada e alugar uma cabana junto à praia, como o José Cid, e (tentar) ter orgasmos múltiplos durante as 12 baladas - o único senão é que o José Cid era roto (ora cliquem lá no título do post e digam o contrário).

novembro 11, 2005

Chilreios à Sexta

Aviso a todos os desgraçados que diariamente fazem a travessia Barreiro-Terreiro do Paço-Barreiro nos luxuosos catamarãs postos ao serviço da plebe: tenham medo! Tenham muito medo! Façam os possíveis por se engripar e entupir o nariz, seja com muco nasal abundante ou com meros tufos de algodão-em-rama. Vão a uma (das 3469957689 que existem em Portugal) lojinha do chinês e comprem uma máscara de oxigénio em 2ª mão, ou um daqueles comprimidos que os espiões usam nos filmes para se suicidarem quando são apanhados pelo eixo do Mal. Ou então cortem no tabaco e no pequeno-almoço no café da esquina e passem a ir de carro para Lisboa, ou onde quer que desperdicem o desgraçado do vosso dia. Mas, por amor de Deus, evitem... bem, vou passar a explicar.
Hoje, sexta-feira, bateram as 17.30h no meu pulso e imediatamente me fiz à estrada, qual rouxinol que chilreia alegremente enquanto voa do seu buraco com cheiro a mofo direito às coloridas flores de Primavera que povoam os campos Alentejanos nos tempos de seca. E assim iniciei as sete provas de Hércules, neste caso, a maratona Oeiras-Baixa da Banheira, com um sorriso nos lábios, porque a partir daquela altura já era Sábado. Já cheirava a Liberdade.
Depois de caminhar por montes e vales, solavancar no comboio e cheirar sovacos multiculturais num autocarro apinhado de pobres, cheguei à embarcação que, qual nau dos Descobrimentos, me ia levar até às terras de sonho e futuro da Margem Sul. Entrei no dito cujo - sempre a sorrir e chilrear - e encontrei o meu lugar junto de um senhor de provecta idade, igualmente sorridente e chilreante, que trajava elegante casaco de tweed verde escuro de marca incerta e calças de sarja cinzentas-escuras Macmoda, correspondentes sem dúvida a um respeitável 46 ou 48, pela medida europeia.
Já sentado na minha poltrona de pele de porco, ou alcatifa, ou lá o que é aquilo, recostei-me e preparei-me para fechar os olhos e sonhar, sonhar com flores ainda mais coloridas, com a forma de costeletas de borrego fritas acompanhadas por cogumelos e arroz, quando me começou a cheirar a esturro. E não eram as costeletas.
Arregalei os olhos, assustado, e senti um grito seco ecoar, mudo, na minha garganta, enquanto o odor a esturricado cedia lugar, num ápice, ao fedor mais hediondo que alguma vez atingiu os meus receptores olfactivos. Virei-me para o lado, a suar e com o coração a bater descompassadamente, convencido de que estávamos a ser atacados por armas químicas e preparado para dar a minha vida pela Pátria, ou pelo menos arrastar-me até à borda do barco e saltar para o Tejo, quando percebi. Não eram armas químicas. Não era a casa de banho que estava com a sanita avariada. Era Ele.
Então não é que o sacana do cota do tweed era uma máquina de peidos ambulante, que se rasgava todo a um ritmo de fazer inveja ao mais tecnicista dos bateristas punk? E fazia-o abafando a rajada com as bordas, de modo a disparar sequências de "pantufas" assassinas. Bem, só vos digo que fiquei de tal forma atordoado com a primeira dose que não fui capaz, por mais que o meu cérebro implorasse, de mexer um músculo sequer para me salvar. Felizmente, estes barcos demoram apenas 20 minutos a fazer o trajecto e o homem só abriu a loja a meio do caminho. Ainda assim, o suficiente para me terem levado de urgência para o hospital quando o barco atracou, dado que fiquei imóvel no meu lugar, de olhos esbugalhados e a babar uma substância verde e viscosa.
Mas não faz mal, porque hoje é sexta-feira e só por isso eu chilreio seja onde for. Pensando bem, talvez fosse essa a razão do peculiar chilrear do meu fedorento companheiro de viagem - afinal a sexta-feira é mágica para todos, trabalhadores e reformados, jovens e velhos, continentes e incontinentes. E a mistela que me deram há bocado para jantar aqui no Hospital, se bem que não fossem costeletas de borrego, também não era nada má.
Mal posso esperar pelo almoço de amanhã.

outubro 03, 2005

Choppes&Sopas

Os brasileiros são realmente um país irmão.
Para além de terem cabeça, tronco e membros como nós, partilham a nossa língua, o bem-amado português de Camões - com a vantagem de serem mais musicais e criativos do que os pacholas dos ‘tugas.
Imaginem que fui a semana passada almoçar com uns colegas a um restaurante, e alguns elementos da comitiva pediram sopa (as mulheres, claro está, porque os homens a sério só comem sopa se for da pedra e ali só havia creme de alho francês). Bem dito, bem feito, das bocas nativas saiu um simples e despido “São três sopas, faz-favor!”, enquanto as mãos rudes de quem trabalha diariamente no duro da Função Pública estropiavam já os indefesos pedaços de broa, ali deixados à mercê dos selvagens.
Dez minutos volvidos, já o massacre da broa tinha terminado há muito e alguém opinava “Deve estar a cag*# agora os alhos na cozinha, ó car@%ho!”, chega a Senhora Dona Empregada, nascida e criada em terras de Santa Cruz, com três lindas imperiais na mão. Ora, ninguém tinha pedido imperais, porque os funcionários da Função Pública não bebem álcool. E perante o nosso olhar atónito (adj.m.: Aparvalhado, esgazeado; mas-que-merda-é-esta?), a menina canta alegremente esta resposta: “Aqui têm seus três choppes, senhores.”
Cá está: um português nunca teria a imaginação suficiente para entregar uma bifana, se alguém lhe pedisse uma banana, enquanto um brasileiro não tem qualquer pejo em entregar três choppes em vez de três sopas. Enfim, podia ter sido pior; pelo menos eram Superbock…